quarta-feira, 1 de abril de 2009

Notas da Capa - por Moacyr Andrade

Nossa escassa bibliografia especializada em música popular só epidermicamente trata do partido alto.

A discografia, menos ainda—embora, curiosamente, mais de um historiador regiestrem em seus estudos a gravação de um "samba de partido alto", Em Casa da Baiana, de autor desconhecido, já na segunda década do século mas antes de Donga registrar, em 1916, a parte de piano de Pelo Telefone, por muitos admitido como o primeiro samba gravado.

Haveria aí um equivoco, pois Em Casa da Baiana era interpretado apenas "por um conjunto instrumental", faltando-lhe o essencial no partido, que é o versejar improvisado.

Esse equívoco inicial tem sua versão moderna numa burla muito comum nos días atuais: o partido arrumadinho, de improvisos apenas fingidos, verdadeira contrafação de estúdio.

Não é o que este disco oferece.

Aqui está o autêntico partido de terreiro, de improviso a um só tempo ágil e vigoroso, dito por vozes ásperas e poderosas.

Aniceto do Império (Aniceto de Menezes e Silva Junior, 65 anos) e Nílton Campolino (Nílton da Silva, 47 anos) são partideiros remanescentes, de largo currículo no batuque e no jongo, de convívio até com formas mais primitivas do amálgama que os dois ajudaram a cristalizar na feição do partido alto que fazem e cantam.

Aniceto, estivador aposentado, porte físico de rei negro, foi um contemporâneo mais jovem das figuras lendárias — Aço Humano, João Alabar e outros, todos "rezadores" — de que fala em Raízes da África, a faixa que abre o lado B deste LP.

Campolino, gráfico de profissão, conheceu garoto a Maria Sara de quem nos conta, "uma senhora que brincava jongo, dava amarrada de frente nos batuques e pernada no samba duro".

Foi nesse ambiente que se formaram e tinham, pois, lastro para fazer o que fizeram há 30 anos: participar, ao lado, entre outros, de Molequinho (Sebastião de Oliveira), Fuleiro, Antônio Papo, Comprido e Zé da Grota, do núcleo que fundou o Império Serrano.

A Aniceto coube a honra de puxar, numa Festa da Penha, o primeiro samba feito no Império, de autoria de Molequinho.

Aqui, ele praticamente faz sua estréia em disco (há alguns anos cantou dois de seus maravilhosos partidos em um LP com outros compositores de escolas).

Para Campolino, trata-se realmente do batismo: ele jamais gravara antes.

MOACYR ANDRADE

Um comentário:

  1. Élton Medeiros acresenta:

    As correções são só duas:

    1. O nome grafado como "Aço Humano" refere-se ao adivinho muçulmano conhecido como Assumano Mina do Brasil, nome registrado em jornais do início do século XX e ainda no livro "As religiões do Rio", de João do Rio, cuja primeira edição é de 1904.

    2. "João Alabar" é João Alabá, conhecido babalorixá do rito nagô fixado no Rio de Janeiro e contemporâneo de Assumano, igualmente citado por jornais de seu tempo.

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