quarta-feira, 1 de abril de 2009

Notas da Capa - por Élton Medeiros

O meu respeito e a minha admiração por Aniceto vêm do tempo em que eu era um jovem compositor da Escola de Samba Aprendizes de Lucas, que se fundiu com o Unidas da Capela para resultar na atual Unidos de Lucas.

Nessa época, eu procurava comparecer a todas as reuniões que pudessem enriquecer o meu conhecimento do mundo do samba.

Em várias delas, encontrei Aniceto do Império com o seu partido alto de forte influência rural (caxambu), a improvisar com espantosa facilidade, dando uma rica demonstração de um tipo de manifestação cultural poucas vezes registrado em disco.

Nílton Campolino — seu companheiro neste LP e também no Império Serrano —, conheci-o numa roda de partido alto na Ilha de Paquetá, há muitos anos, em um dos piqueniques que ali realizava, sempre nos dias 1º de maio, um boêmio de nome Samuel.

Tornei a vê-lo outras vezes e chagamos até participar da mesma roda de partido.

Com o tempo, perdi-os de vista, mas não de memória, tanto que ao ser convidado apra produzir um disco para a FEMURJ, lembrei-me prontamente de Aniceto.

Procurei localizá-lo e reuní-lo a Campolino, a quem já havia reenconrada numa festa do GRAN Quilombo e a quem mais tarde transmiti minhas idéias sobre este trabalho.

Ao reuní-los, tudo ficou mais fácil, graças não só a eles mas também ao Valdir 7, líder do Grupo Chapéu de Palha, aos componentes do próprio Grupo, ao conjunto As Autênticas, ao Toninho Barbosa, ao Braz Bezerra, ao Oswaldo Carneiro e ao conhecedor das manifestações populares Moacyr Andrade, a que passo a palavra.

ÉLTON MEDEIROS
Abril/1977

Notas da Capa - por Moacyr Andrade

Nossa escassa bibliografia especializada em música popular só epidermicamente trata do partido alto.

A discografia, menos ainda—embora, curiosamente, mais de um historiador regiestrem em seus estudos a gravação de um "samba de partido alto", Em Casa da Baiana, de autor desconhecido, já na segunda década do século mas antes de Donga registrar, em 1916, a parte de piano de Pelo Telefone, por muitos admitido como o primeiro samba gravado.

Haveria aí um equivoco, pois Em Casa da Baiana era interpretado apenas "por um conjunto instrumental", faltando-lhe o essencial no partido, que é o versejar improvisado.

Esse equívoco inicial tem sua versão moderna numa burla muito comum nos días atuais: o partido arrumadinho, de improvisos apenas fingidos, verdadeira contrafação de estúdio.

Não é o que este disco oferece.

Aqui está o autêntico partido de terreiro, de improviso a um só tempo ágil e vigoroso, dito por vozes ásperas e poderosas.

Aniceto do Império (Aniceto de Menezes e Silva Junior, 65 anos) e Nílton Campolino (Nílton da Silva, 47 anos) são partideiros remanescentes, de largo currículo no batuque e no jongo, de convívio até com formas mais primitivas do amálgama que os dois ajudaram a cristalizar na feição do partido alto que fazem e cantam.

Aniceto, estivador aposentado, porte físico de rei negro, foi um contemporâneo mais jovem das figuras lendárias — Aço Humano, João Alabar e outros, todos "rezadores" — de que fala em Raízes da África, a faixa que abre o lado B deste LP.

Campolino, gráfico de profissão, conheceu garoto a Maria Sara de quem nos conta, "uma senhora que brincava jongo, dava amarrada de frente nos batuques e pernada no samba duro".

Foi nesse ambiente que se formaram e tinham, pois, lastro para fazer o que fizeram há 30 anos: participar, ao lado, entre outros, de Molequinho (Sebastião de Oliveira), Fuleiro, Antônio Papo, Comprido e Zé da Grota, do núcleo que fundou o Império Serrano.

A Aniceto coube a honra de puxar, numa Festa da Penha, o primeiro samba feito no Império, de autoria de Molequinho.

Aqui, ele praticamente faz sua estréia em disco (há alguns anos cantou dois de seus maravilhosos partidos em um LP com outros compositores de escolas).

Para Campolino, trata-se realmente do batismo: ele jamais gravara antes.

MOACYR ANDRADE